Nos últimos tempos assistimos à discussão Parlamentar do Projecto Lei sobre as Procriação Medicamente Assistida. Paralelamente no 7º Congresso de Bioética subordinado ao tema “Sida, Desafio para o Sec. XXI” o mesmo veio a ser abordado. Os temas são sem duvida actuais e merecedores da nossa atenção. No que concerne às Técnicas de Procriação Assistida, sobre a sua regulamentação interna, parece-nos que ainda muito haverá para analisar e discutir. A regulação interna sobre o tema ainda não está efectivamente definida deixando aos técnicos e aos teóricos grande campo de manobra de estudo atentos à efectiva inexistência de quadro legal regulador. As técnicas de procriação medicamente assistidas (PMA) tem como objectivo primário o de sanar os efeitos da esterilidade cujo fenómeno patológico que actualmente tem vindo a revestir cada vez maior preocupação.
A cada vez maior inversão das taxas demográficas causando uma verdadeira alteração de sentido ao crescimento populacional são hoje uma razão por si só de atenção e cuidado. Mas a infertilidade não é a única patologia inibidora do projecto parental.
No panorama actual entre muitas questões uma que poderá suscitar uma análise cuidada e de interesse público é a que se prende não com a patologia da esterilidade, mas com outra patologia altamente limitadora do Direito à Criação de Família. Referimo-nos à Sida.
Em boa verdade o Direito à Procriação não se justifica em si. Este é um direito que só tem relevância quando enquadrado num Direito de âmbito mais elevado, o Direito à Família. Direito garantido Constitucionalmente e de relevo na sua definição quando confrontados com realidades como a das Técnicas de Procriação Medicamente Assistidas e o flagelo da Sida.
A questão que desde logo se nos poderá colocar é a de saber se aos portadores de H.I.V. será ou não legitimo e ético reclamar um Direito de Família e de Reprodução?
A resposta parece-nos positiva.
Em nome desde logo de um Princípio de Igualdade nos termos definidos no art. 13º da Constituição da Republica Portuguesa não se nos afigura legítimo e até constitucional limitar alguém ao sonho de ser pai ou mãe só por ser portador de H.I.V.. A maioria das posições doutrinárias referentes às PMA tendem a privilegiar o recurso a estas técnicas a casais inférteis. Casais estáveis nos seus relacionamentos, heterossexuais e que sofrem de patologias impeditivas de procriação através dos metidos naturais. Desta feita poderá ficar vedado aos portadores de HIV a satisfação legítima de um projecto parental. Estes pacientes têm como grande inibidor o risco de contágio no acto de reprodução natural, sendo que em nome de um Principio de Igualdade que se deseja respeitado não deverão ser excluídos do âmbito da população de acesso às PMA.
Claro está que a questão deverá ser, pelos riscos envolventes, tratada de forma cuidada e orientada.
O direito não tem ainda qualquer resposta à questão, lacuna que não se deseja por muito tempo em nome de um futuro próximo de quem se quer reproduzir e é portador de Sida, mas que se quer legitimamente integrado num projecto parental. Mais do que um capricho de eternizar uma linha genética a reprodução em seropositivos é uma realidade de abordagem sensível, mas necessária pelas questões éticas, jurídicas e económicas que levanta. Em nome de uma Autodeterminação Reprodutiva cuja justificação tem por base um Direito da Família pilar Constitucional – Art.67º da C.R.P. – como elemento fundamental da sociedade com protecção desejada por parte do Estado cujo papel deverá ser o de tornar possíveis e efectivas as condições que permitam a realização pessoal dos seus membros. Estado este que deverá ainda garantir nos termos do Art. 68º da C.R.P. a efectivação da maternidade e paternidade como valor social eminente. Carece pois de definição urgente e efectiva.
Como vem sendo já do conhecimento comum e em nome do desmontar de múltiplos pré conceitos relativos ao fenómeno Sida, esta patologia hoje reveste características de doença crónica sendo que a intervenção e optimização da terapêutica anti - retroviral tem vindo a ser garante da melhoria da qualidade e da esperança de vida das pessoas infectadas com HIV/Sida. Os progressos Biomédicos nesta área têm permitido a possibilidade de construção de projectos de família nestes pacientes. Hoje é possível a procriação de casais em que um elementos ou até os dois são portadores de HIV/Sida com um risco muito baixo. Desde logo a transmissão materno fetal do HIV é baixa sendo que acompanhada com diagnóstico pré–natal é hoje possível uma maternidade sem risco de infecção.
A diminuição de risco não coloca de parte todas as regras de defesa necessárias à relação sexual com pacientes de HIV/Sida, contudo permite-lhes a esperança na concretização efectiva de um sonho parental. Hoje a maternidade e a paternidade de pacientes seropositivas é viável desde que acompanhada de técnicas específicas a cada caso. A diminuição de risco é hoje possível desde que salvaguardadas algumas regras entre elas a auto–inseminação ou PMA quando seja a mãe a infectada ou a PMA com pré-lavagem de esperma quando a infecção seja do pai.
Claro está que todas estas técnicas de acompanhamento da reprodução têm custos elevados e provavelmente não sejam ainda uma prioridade à saúde, contudo existem e não devem ser limitadas aos portadores de HIV/Sida pois a estes também é legitimado o Direito a uma descendência biológica.
Para muitos a alternativa poderá passar pela adopção, contudo tal como é sabido os procedimentos formais, em Portugal, ainda são altamente limitadores do acesso a esta forma de projecto parental. Mas esta é uma hipótese que em nada diminui o sonho de um projecto reprodutivo biológico. Projecto que cada vez mais se torna viável atentos à cada vez maior sobrevida dos sujeitos portadores de HIV/Sida cuja doença hoje cada vez mais tem contornos de doença crónica sendo possível viver por mais tempo e com maiores níveis de qualidade de vida.
Numa perspectiva economicista se dirá que tal como as demais procriações assistidas esta envolve custos elevados e estará ainda longe de ser tida como uma prioridade na saúde, contudo não pode ser este argumento de limitação ao projecto parental de um casal em que ambos ou apenas um deles se encontra infectado com HIV/Sida.
Este é um sonho cujo limite não tem à luz dos Princípios Constitucionais qualquer fundamento, sendo que a resposta será sempre positiva à permissão de procriação com recurso a PMA em casais seropositivos.
Maria Manuel Pinto