Contracepção de Emergência na Adolescência

Abordar o tema da contracepção é meditar desde logo no direito à autodeterminação sexual e reprodutiva do indivíduo.

Não se pretenderá com a presente a análise, actualmente em discussão, do aborto, mas tão somente a contracepção de emergência prevista na Lei n.º 12/2001 de 29 de Maio.

Numa sociedade que se pretende livre e plural é reconhecido à pessoa o direito de livremente e de forma informada decidir sobre a sua reprodução e optar pelos mecanismos que considere mais adquados ao seu controlo. Nesse sentido dispõe o art. 1º da Lei 120/99 de 11 de Agosto “...visa conceder maior eficácia aos dispositivos legais que garantam a promoção a uma vida sexual e reprodutiva saudável, mais gratificante e responsável, consagrando medidas no âmbito da educação sexual, do reforço do acesso ao planeamento familiar e aos métodos contraceptivos, tendo em vista, nomeadamente, a prevenção de gravidez indesejada e o combate às doenças sexualmente transmissíveis, designadamente as transmitidas pelo HIV e pelo vírus das hepatites B e C.”
Esta liberdade opcional tem por fundamento o principio ético do respeito pela autodeterminação individual, para o exercício da autonomia reprodutiva é pressuposto basilar a capacidade jurídica para decidir e consentir, capacidade que nos termos da análise conjunta dos arts. 122º e 123º do Código Civil é atribuida de forma genérica aos maiores de dezoito anos por serem considerados maiores e capazes ao exercício de direitos. Sendo que os menores verão a supressão da sua incapacidade efectuada pela tutela dos seus representantes legais. A opção legal não tem como objectivo a diminuição aos menores dos direitos e garantias de pessoa humana, mas tão somente assegurar e garantir uma consciência maturada ao acto de decisão e consentimento. Desta feita e por ser já recorrente é atribuido a menores, com provada capacidade de discirnimento para avaliar o sentido e alcance da prática dos seus actos, capacidade à decisão e consentimento. Sobre tal dispõe, entre outros, o art. 38º n.º 3 do Código Penal “ O consentimento só é eficaz se for prestado por quem tiver mais de 14 anos e possuir o discernimento necessário para avaliar o seu sentido e alcance no momento em que o presta” e art. 6º n.º 2 da Convenção Sobre os Direitos do Homem e a Biomedicina “ A opinião do menor é tomada em consideração como factor cada vez mais determinante, em função da sua idade e do seu grau de maturidade.”

Ora, relativamente ao adolescente, menor em fase de transição, a sua autonomia levanta questões de relevante preponderância ao nível ético. Todas as Convenções Internacionais referem quanto ao exercicío da autonomia do adolescente a necessidade de correcta avaliação do seu estado de maturidade, como meio de ponderação da sua capacidade para decidir. A questão da capacidade decisional não está porém dirimida e legislada no que concerne à contracepção e em especial à contracepção de emergência.
A questão a ponderar é a de saber qual o grau de autonomia ao exercicío da liberdade sexual e de contracepção a atribuir à adolescente. Tal é merecedor de análise cuidada quando confrontados com a realidade efectivamente vivida.
Se por um lado, tal como é sabido, a adolescência é um período chave para a iniciação do comportamento sexual e primeira utilização de contracepção, também é do conhecimento comum que esta é encarada pela família, pela escola e pela sociedade de forma negligente, desvalorizando esta fase de descoberta da vida do menor, permitindo que as suas experiências sejam vividas em ignorância ou proibidas com condenações morais como forma de dissuasão. Em Portugal o número de mães adolescentes, segundo os relatórios da União Europeia, é crescente, sendo também crescente a cada vez menor idade destas adolescentes. A prevenção da gravidez, através do uso efectivo de contracepção parece ser a melhor estratégia.
Questões porém se levantam de difícil resolução por não acauteladas pelo ordenamento jurídico. Desde logo a venda em massa de contracepção faz colidir o interesse da adolescente e o poder paternal a exercido pelos seus seus representantes legais. A questão da venda massiva de tais farmacos e do conceito de “liberdade sexual” inibe uma real e correcta avaliação médica da situação, sendo que esta é fundamental à garantia de uma correcta admnistração da contracepção. Devido aos conflitos ocultos existentes entrer as práticas sexuais, as condenações morais e os medos próprios da adolescência, aprática contraceptiva ora é tida de forma arbitrária ora não é tida, sendo que as orientações e aconselhamentos médicos acabam por ser inexistentes.
Este é ponto de ruptura e de difícil solução. A adolescente por regra não tem poder decisional e quem o tem nada conhece da sua opção sexual. A Lei n.º 12/2001 de 29 de Maio determina no seu art. 1º n.º 2 “ Visa ainda reforçar os meios de prevenção da gravidez não desejada, nomeadamente na adolescencia”, mais refer ainda no seu art. 3º n.º 2 “ A dispensa e a venda de contraceptivos de emergência serão efectuadas sob orientação de um profissional de saúde que promove o aconselhamento inicial e o encaminhamento para a consulta de planeamento familiar.”

Por contracepção de emergência entende-se o método pelo qual se impede a fertilização do ovócito, ou seja quando é administrado o farmaco nas primeiras setenta e duas horas após a relação sexual desprotegida, sendo impedido o início subsequente da embriogénese. Se assim não suceder e o farmaco for admnistrado nos primeiros 14 dias após a fertilização não estaremos perante uma verdadeira contracepção de emergência mas sim perante uma contraimplantação de emergência, algo que é substancialmente distinto, pese contudo, também não estejamos perante uma situação de utilização de método abortivo. Tal como refere o termo trata-se de uma acção emergência que por tal implica uma decisão também de emergência (decisão a ter no prazo limitado às primeiras setenta e duas horas após a relação sexual desprotegida).

Este tipo de concepção tal como definido na Lei 12/2001 é disponibilizado gratuitamente nos Centros de Saúde. Pode no entanto ser adquirido em qualquer local de venda permitido. Sendo certo que segundo a mesma Lei a admnistração deste tipo de contraceptivo exige informação, orientação e acompanhamento por técnicos de saúde, acompanhamento sempre desejável, atentos às consequências normais de admnistração de um medicamento desta natureza. Ora, desta feita, estamos perante actos para os quais é necessário o consentimento informado, livre e esclarecido do sujeito a quem é admnistrado tal fármaco, que no caso em concreto necessita ser dado de forma urgênte (no prazo de setenta e duas horas). Contudo os adolescentes carecem de autonomia ao exercício do consentimento informado. Este deverá ser prestado pelo seu representante. Por outro lado o direito à privacidade individual e à autonomia na opção reprodutiva implica a existência de estruturas judiciais que permitam aferir em tempo real o grau de maturidade da adolescente, quando exista desacordo evidente entre esta e o seu legítimo representante e seja discutida a sua competência decisional. Tal, levanta questões éticas de relevo sobretudo se ponderarmos sobre a menor agressão emocional e física gerada pela concepção emergência em relação à da interrupção da gravidez.

A dignidade humana não é efectivamente um conceito teórico e longinquo da vida real. Esta é base primordial de liberdade de expressão e opção de vida, sendo princípio estrutural das relações humanas. Deste valor advém a obrigação social de cuidado a toda a questão ora exposta. A ponderação sobre o tema será vector de um futuro aberto à capacidade livre e consciente de autodeterminação sexual e reprodutiva da adolescente. Será pois imperioso medital sobre as consequências éticas das opções legislativas a tomar e na adquada educação informada a dar aos jovens adolescentes para a orientação e formação da sua livre capacidade de decisão e consentimento quanto à sua orientação e opção sexual.

A Lei existe e tenta proteger as adolescentes contudo deixa o vazio no que conserme à sua capacidade de consentir quanto à concepção emergente.

0 comentários: