A ciência baseada na evidência tem vindo de forma incontestável a desenvolver técnicas de investigação e prognose cuja valia ao bem comum da Humanidade é indesmentível. A Ciência, movimenta-se num campo de liberdade, autonomia e independência bastante distinto do Direito, cujo mandato social se torna inalienável à regulação de várias áreas da vida social.
Contudo, é também comummente aceite, que a Técnica e a Ciência vêem as suas trajectórias balizadas por pressupostos éticos: nem tudo o que a Ciência pode, deve fazer.
Tal limitação, atentos à garantia ética da preservação de valores como a dignidade humana, cidadania, democracia e autodeterminação do sujeito, torna-se cada vez mais premente quanto maior provável é a vontade humana de se exterioriorizar na descoberta do modo de regular os comportamentos humanos e as relações sociais. Paralelamente ao crescente avanço tecnológico e científico, torna-se imperioso o zelar pelos direitos de cidadania e pela prática da democracia.
Hoje, a ciência permite-nos aferir dos traços genéticos do Homem, bem como de toda a sua história passada e futura. O limite é ténue.
A genética e a ciência molecular permitem com bastante certeza prever e sanar “erros” bioquímicos da estrutura genica do homem, permitindo-lhe viver mais tempo e com maior qualidade de vida. Os crescentes avanços nesta área não são questionáveis enquanto não colidirem com as garantias éticas da Vida Humana.
A ciência adaptada ao processo judicial, por seu turno, levanta questões distintas das emergentes do estudo meramente clínico, mas paralelas e fundadas em abordagens bioéticas. O conhecimento cientifico usado ao serviço dos meios periciais de prova vertidos em julgamento carecem de uma abordagem prudente, critica e técnica do saber científico. Esta é uma nova realidade que se nos afigura relevante ao debate público. Reportamo-nos, pois, à já tão falada Identificação Genica ou através de marcadores de ADN.
O tema é aliciante.
Poder saber com precisão dos meandros das estruturas bio - comportamentais do sujeito não deixa de ser uma tentação para quem, como os profissionais da Justiça, esgrimem em debate público as razões, nexos causais e valoração das responsabilidades e culpas de quem se vê acusado.
A tentação natural do Ser Humano na busca incessante das razões primárias do seu comportamento são o ponto de partida para, na ciência, se fundamentar a regulação social. Os tão falados e desejados (por alguns) testes de identificação de ADN serão ou poderão ser a chave do enigma. Contudo, impõe-se tomar cautelas para respeitar o principio inviolável da Dignidade Pessoal. Desde o projecto “Genoma Humano”, a tentação de busca do conhecimento total da natureza humana tem vindo a crescer, sendo que paralelamente, tem a Comunidade Internacional criado barreiras a tal, não com o objectivo de parar o crescente e desejado progresso cientifico, mas como forma de protecção da própria natureza humana. Nesse sentido, define a Convenção sobre os Direitos do Homem e da Biomedicina, no seu art. 2º, o Primado do Ser Humano Individual: “O interesse e o bem-estar do ser humano devem prevalecer sobre o interesse único da sociedade ou da ciência” dispositivo que, no que toca à identificação genica, é compaginável com o disposto no art. 26º n.º 3 da Constituição da Republica Portuguesa: “ A lei garantirá a dignidade pessoal e a identificação genica do ser humano...”
A legislação nacional, bem como a vontade de regular sobre tal como meio de prova criminal é inovadora sendo, porém, ainda distante a sua regulação efectiva.
Regulamentar sobre identificação genica implica uma análise profunda sobre o todo em questão numa dinâmica ética de pressupostos. Em jogo, não está só a mera prova pericial a aferir da culpa em debate do agente criminoso, estão todos os procedimentos a montante à discussão da prova. O debate sobre a matéria quer-se cauteloso de forma a não esquecer razões de Ciência e de Ética.
A Lei n.º 12/2005 de 26 de Janeiro deu um passo em frente, já que paralelamente à regulação dos dados de informação genica na saúde, tenta regular e definir a mesma para o campo de justiça. Dispondo desde logo no art. 6º n.1: “A informação genética é a informação de saúde que verse as características hereditárias de uma ou várias pessoas (...) excluindo-se desta definição a informação derivada (...) dos estudos de identificação genética para fins criminais...” resta, pois, definir com certeza, qual é a informação genética a aferir no campo da criminalidade. Esse desiderato é tanto mais importante , quando confrontados com o processo de recolha e avaliação dos elementos do crime, com os intervenientes ou actores no processo e com o valor pericial dessa prova em sede de audiência de discussão e julgamento. É que, em boa verdade, tal identificação pode transportar o trabalho do julgador ao tempo e local do crime. Sabendo que hoje as técnicas cientificas nos permitem criar um perfil rigoroso do agente criminoso, este pode não ser correctamente aferido, ou pelo menos, pode ser distorcido, se pensarmos nos erros possíveis de ocorrer na recolha da cena do crime dos eventuais elementos probatórios.
A não profissionalização especifica dos nossos agentes policiais na recolha destes elementos-base à identificação genica, acompanhada pelas infinitas hipóteses de manipulação e contaminação da matéria a investigar, podem criar uma imagem distorcida do agente criminoso. O trabalho técnico executado em laboratório e que será a prova pericial em juízo discutida, pode não criar o perfil criminogénico correcto do agente. O erro na formatação da imagem criminosa identificada pode levar à condenação de quem é inocente, e a sua consequente estigmatização.
Para além dos erros no apurar da identificação, outra questão se pode ainda levantar e que conflituará directamente com um dos princípios democraticamente aceites – o Principio da Não Discriminação.
Ponderada a força e certeza da ciência na criação de perfis, a identificação através do ADN poderá gerar um novo tipo de atavismo lombrosiano. O determinismo biológico passará a ter nova forma de carácter génico.
A questão enceta em si vários riscos. Desde logo porque através do estudo dos marcadores de ADN será possível conhecer a realidade do sujeito, bem como da sua família. Conhecendo os circuitos da informação e a “publicidade” do processo criminal, afigura-se possível não só a discriminação do sujeito, como de toda a sua família. Discriminação, cuja gravidade assume contornos mais graves, quando eventualmente confrontados com o erro na condenação. Realidade que se nos afigura como possível quando nos reportamos às práticas forenses que, regra geral, fundamentam as condenações de facto (e consequente aplicação do Direito) na mera convicção do Tribunal. Condenações, que sendo susceptíveis de recurso, são passíveis de serem desmontadas e plenamente aniquiladas.
A definição de perfil gerará ainda uma óbvia e maior dificuldade de reintegração social, sobretudo quando se fala de identificações génicas cuja componente atávica é tanto maior quanto mais grave for crime praticado. Factos, que podem muito bem fazer desencadear novos estudos científicos na busca do gene “delitivo” dando cobro a valores discriminatórios e de defesa de teses eugénicas de defesa do “gene do mal”. Nesta perspectiva, ainda se poderá prever a criação de um quadro de realidade e plausibilidade de novos conceitos de doença, colhendo desta feita a defesa da não imputabilidade criminal ao agente por portador de uma “maledicência” genica.
O principio democrático de direito à privacidade e autodeterminação prevê-se fragilizado quando é confrontado o sujeito acusado, com a intervenção a montante de técnicas de diagnóstico médico para o apuramento do seu ADN. A intervenção clínica carece, por natureza, de ser precedida de um consentimento livre, informado e esclarecido do sujeito. Este pressuposto não é exclusivo do homem doente ou portador de patologia, é um pressuposto exigido ao Homem enquanto detentor de personalidade e na plenitude do seu ser enquanto devir. Esta realidade fica, de forma indubitável, fragilizada, já que
o sujeito está em situação de particular vulnerabilidade.
Como aferir da validade do consentimento informado e esclarecido do Homem recluso ou em situação de perturbação sócio emocional causada pelo processo de investigação criminal? Como avalizar os elementos periciais em sede de discussão e julgamento sendo conhecida a formação tradicional dos agentes de justiça?
A criação de uma base de dados de ADN é, assim uma questão complexa e que impõe uma análise cuidada, sempre balizada pela Ética, sob pena de ser desvirtuado um dos pilares da democracia plural contemporânea – A Dignidade Humana.
Contudo, é também comummente aceite, que a Técnica e a Ciência vêem as suas trajectórias balizadas por pressupostos éticos: nem tudo o que a Ciência pode, deve fazer.
Tal limitação, atentos à garantia ética da preservação de valores como a dignidade humana, cidadania, democracia e autodeterminação do sujeito, torna-se cada vez mais premente quanto maior provável é a vontade humana de se exterioriorizar na descoberta do modo de regular os comportamentos humanos e as relações sociais. Paralelamente ao crescente avanço tecnológico e científico, torna-se imperioso o zelar pelos direitos de cidadania e pela prática da democracia.
Hoje, a ciência permite-nos aferir dos traços genéticos do Homem, bem como de toda a sua história passada e futura. O limite é ténue.
A genética e a ciência molecular permitem com bastante certeza prever e sanar “erros” bioquímicos da estrutura genica do homem, permitindo-lhe viver mais tempo e com maior qualidade de vida. Os crescentes avanços nesta área não são questionáveis enquanto não colidirem com as garantias éticas da Vida Humana.
A ciência adaptada ao processo judicial, por seu turno, levanta questões distintas das emergentes do estudo meramente clínico, mas paralelas e fundadas em abordagens bioéticas. O conhecimento cientifico usado ao serviço dos meios periciais de prova vertidos em julgamento carecem de uma abordagem prudente, critica e técnica do saber científico. Esta é uma nova realidade que se nos afigura relevante ao debate público. Reportamo-nos, pois, à já tão falada Identificação Genica ou através de marcadores de ADN.
O tema é aliciante.
Poder saber com precisão dos meandros das estruturas bio - comportamentais do sujeito não deixa de ser uma tentação para quem, como os profissionais da Justiça, esgrimem em debate público as razões, nexos causais e valoração das responsabilidades e culpas de quem se vê acusado.
A tentação natural do Ser Humano na busca incessante das razões primárias do seu comportamento são o ponto de partida para, na ciência, se fundamentar a regulação social. Os tão falados e desejados (por alguns) testes de identificação de ADN serão ou poderão ser a chave do enigma. Contudo, impõe-se tomar cautelas para respeitar o principio inviolável da Dignidade Pessoal. Desde o projecto “Genoma Humano”, a tentação de busca do conhecimento total da natureza humana tem vindo a crescer, sendo que paralelamente, tem a Comunidade Internacional criado barreiras a tal, não com o objectivo de parar o crescente e desejado progresso cientifico, mas como forma de protecção da própria natureza humana. Nesse sentido, define a Convenção sobre os Direitos do Homem e da Biomedicina, no seu art. 2º, o Primado do Ser Humano Individual: “O interesse e o bem-estar do ser humano devem prevalecer sobre o interesse único da sociedade ou da ciência” dispositivo que, no que toca à identificação genica, é compaginável com o disposto no art. 26º n.º 3 da Constituição da Republica Portuguesa: “ A lei garantirá a dignidade pessoal e a identificação genica do ser humano...”
A legislação nacional, bem como a vontade de regular sobre tal como meio de prova criminal é inovadora sendo, porém, ainda distante a sua regulação efectiva.
Regulamentar sobre identificação genica implica uma análise profunda sobre o todo em questão numa dinâmica ética de pressupostos. Em jogo, não está só a mera prova pericial a aferir da culpa em debate do agente criminoso, estão todos os procedimentos a montante à discussão da prova. O debate sobre a matéria quer-se cauteloso de forma a não esquecer razões de Ciência e de Ética.
A Lei n.º 12/2005 de 26 de Janeiro deu um passo em frente, já que paralelamente à regulação dos dados de informação genica na saúde, tenta regular e definir a mesma para o campo de justiça. Dispondo desde logo no art. 6º n.1: “A informação genética é a informação de saúde que verse as características hereditárias de uma ou várias pessoas (...) excluindo-se desta definição a informação derivada (...) dos estudos de identificação genética para fins criminais...” resta, pois, definir com certeza, qual é a informação genética a aferir no campo da criminalidade. Esse desiderato é tanto mais importante , quando confrontados com o processo de recolha e avaliação dos elementos do crime, com os intervenientes ou actores no processo e com o valor pericial dessa prova em sede de audiência de discussão e julgamento. É que, em boa verdade, tal identificação pode transportar o trabalho do julgador ao tempo e local do crime. Sabendo que hoje as técnicas cientificas nos permitem criar um perfil rigoroso do agente criminoso, este pode não ser correctamente aferido, ou pelo menos, pode ser distorcido, se pensarmos nos erros possíveis de ocorrer na recolha da cena do crime dos eventuais elementos probatórios.
A não profissionalização especifica dos nossos agentes policiais na recolha destes elementos-base à identificação genica, acompanhada pelas infinitas hipóteses de manipulação e contaminação da matéria a investigar, podem criar uma imagem distorcida do agente criminoso. O trabalho técnico executado em laboratório e que será a prova pericial em juízo discutida, pode não criar o perfil criminogénico correcto do agente. O erro na formatação da imagem criminosa identificada pode levar à condenação de quem é inocente, e a sua consequente estigmatização.
Para além dos erros no apurar da identificação, outra questão se pode ainda levantar e que conflituará directamente com um dos princípios democraticamente aceites – o Principio da Não Discriminação.
Ponderada a força e certeza da ciência na criação de perfis, a identificação através do ADN poderá gerar um novo tipo de atavismo lombrosiano. O determinismo biológico passará a ter nova forma de carácter génico.
A questão enceta em si vários riscos. Desde logo porque através do estudo dos marcadores de ADN será possível conhecer a realidade do sujeito, bem como da sua família. Conhecendo os circuitos da informação e a “publicidade” do processo criminal, afigura-se possível não só a discriminação do sujeito, como de toda a sua família. Discriminação, cuja gravidade assume contornos mais graves, quando eventualmente confrontados com o erro na condenação. Realidade que se nos afigura como possível quando nos reportamos às práticas forenses que, regra geral, fundamentam as condenações de facto (e consequente aplicação do Direito) na mera convicção do Tribunal. Condenações, que sendo susceptíveis de recurso, são passíveis de serem desmontadas e plenamente aniquiladas.
A definição de perfil gerará ainda uma óbvia e maior dificuldade de reintegração social, sobretudo quando se fala de identificações génicas cuja componente atávica é tanto maior quanto mais grave for crime praticado. Factos, que podem muito bem fazer desencadear novos estudos científicos na busca do gene “delitivo” dando cobro a valores discriminatórios e de defesa de teses eugénicas de defesa do “gene do mal”. Nesta perspectiva, ainda se poderá prever a criação de um quadro de realidade e plausibilidade de novos conceitos de doença, colhendo desta feita a defesa da não imputabilidade criminal ao agente por portador de uma “maledicência” genica.
O principio democrático de direito à privacidade e autodeterminação prevê-se fragilizado quando é confrontado o sujeito acusado, com a intervenção a montante de técnicas de diagnóstico médico para o apuramento do seu ADN. A intervenção clínica carece, por natureza, de ser precedida de um consentimento livre, informado e esclarecido do sujeito. Este pressuposto não é exclusivo do homem doente ou portador de patologia, é um pressuposto exigido ao Homem enquanto detentor de personalidade e na plenitude do seu ser enquanto devir. Esta realidade fica, de forma indubitável, fragilizada, já que
o sujeito está em situação de particular vulnerabilidade.
Como aferir da validade do consentimento informado e esclarecido do Homem recluso ou em situação de perturbação sócio emocional causada pelo processo de investigação criminal? Como avalizar os elementos periciais em sede de discussão e julgamento sendo conhecida a formação tradicional dos agentes de justiça?
A criação de uma base de dados de ADN é, assim uma questão complexa e que impõe uma análise cuidada, sempre balizada pela Ética, sob pena de ser desvirtuado um dos pilares da democracia plural contemporânea – A Dignidade Humana.
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