Ética na Justiça

Penso que é chegado o tempo de pensar Ética. Sinto que o velho lema do “politicamente correcto” começa a dar lugar a um pensamento mais profundo e de real valor na defesa de uma justa cidadania.

Já tem mais de meio século a Declaração Universal dos Direitos do Homem (10 de Dezembro de 1948) cujo pressuposto e fundamento base é o da Dignidade Humana, conceito expresso directamente no seu art. 1º tal como no art. 1º da Constituição da República Portuguesa.

E penso que é chegado o tempo de a Justiça como sistema avocar a si como referência primária de actuação o paradigna da Dignidade Humana, num todo ético que se impõe a uma defesa de justa cidadania. E tal consciência tem maior sentido na medida em que o tempo presente tem sido um constante turbilhão de movimentos de valor no âmbito do quadro do Sistema Judicial. São os congressos, os encontros de associações para-politicas e apoliticas, são o surgir de vozes no sentido de, ainda a medo, apelar por uma Justiça mais Justa. Todos os actores sentem a necessidade da mudança e que em meu entender só poderá ser no sentido de um compromisso ético para com o único valor que vem sendo universalmente aceite: A Dignidade Humana.

Há toda uma estrutura que se sente necessitar de mudança. Há um sistema judicial que se pretende reformado e efectivamente autodeterminado em si por ser poder de soberania nacional, poder autónomo dos demais, por a si competir garantir e salvaguardar em nome do povo a defesa dos direitos dos cidadãos. Tendo emergido inclusive uma proposta de Carta de Defesa dos Direitos dos Cidadãos na Admnistração da Justiça na qual são abordados sete temas tidos como fundamentais: Direito à informação; Direito ao respeito; Direito ao acesso; Direito a infra estruturas adequadas; Direito a um processo célere; Direito à qualidade e Direito à participação.

A novidade, que de novo nada tem ou pelo menos não deveria ter, prende-se tão sómente com a necessidade, actual, de proceder à apreciação e eventual codificação de uma série de regras de cooperação e solidariedade social, regras cuja existência em si, em meu entender, têm carácter ético cujo respeito, e por estarmos no campo da justiça, deveria ser um acto natural. Num tempo em que se vivem conceitos de carácter éticos surge a necessidade de pensar, escrever e codificar regras que garantam principios fundamentais. Principios cuja necessidade de se implementarem como pressuposto de conduta e harmonia social não se vê fundados no contrato social de Hobbes, mas tão sómente na Declaração Universal dos Direitos do Homem, declaração de compromisso inter-Estadual e de necessária aplicação em respeito à Dignidade Humana. Compromisso ético que nos actores da justiça deveria surgir de “per si” como manifestação de dever ser, comportamento intrínseco ao sujeito justificativo da sua intenção e acção como base estrutural do processo decisivo enquanto administrador da justiça em nome do povo.

Soa-me a gritos desesperados da necessidade sentida de humanização na justiça. Sente-se a necessidade de um tempo de imperativos éticos necessários à pacífica e justa convivência entre os cidadãos. O texto e o espírito da Constituição em plena harmonia com o espírito da União Europeia são no sentido da execução de um projecto de esperança e de futuro para todos os cidadãos baseado num designío de unidade e diversidade, no respeito dos direitos e deveres da pessoa humana, na responsabilidade cívica e na solidariedade com as gerações futuras, na consciência ambiental e orientado por um projecto de paz e segurança, de desenvolvimento sustentável e de diversidade cultural. É o tempo da consciência sentida da escassez de recursos e da necessidade imperiosa de respeito pelas gerações futuras. Da necessidade de se estruturar o todo de forma à obtenção de uma Justiça Sustentada (entendo-a como uma justiça de Principios de Equidade e de Responsabilidade Partilhada).

São os já lugares comuns de processos demorados, de instalações físicas indignas, de decisões judiciais inaplicadas, da transformação das excepções em regra,entre tanto mais, que faz sentir no espaço juridico a necessidade de humanização do sistema Judiciário. O caricato está em ser a Justiça a apelar à defesa no seu seio dos Direitos e Garantias dos Cidadãos, é surrealista a falência ao nivel dos direitos fundamentais dos cidadãos. Foi um tempo de maximos éticos de ineficiências, em que tudo permitido gerou esta rampa deslizante de ineficácias que hoje apelam à criação de regras minimas à defesa de uma justiça que garanta o respeito pela dignidade humana no sentido já plasmado na Declaração Universal dos Direitos do Homem e na Constituição.

O rosto da Justiça é a Pessoa Humana, detentora em si e por si de Direitos, Liberdades e Garantias. Enquanto o universo jurídico tiver caracteristicas antropocêntricas será esse o seu rosto. Pessoa Humana portadora de dignidade intrinseca por ser em devir. A administração da justiça é no quadro constitucional actual um serviço público vocacionado para a defesa dos direitos e garantias dos cidadãos. Um serviço que só tem sentido num pressuposto de cooperação e solidariedade social, mas que poderá ser inexequível se não for pensado num sistema de Estado Regulador. Mais do que prestador de serviços o Estado deve assegurar a correcta regulação das regras do sistema. A Justiça como fenómeno de expressão por si de orgão de soberania assume-se num todo autónomo e independente dos marejares politicos. Pensar no caminho é pensar na autonomia do guardião do Justo para lá das vontades individuais e de grupos. Pensar no caminho é hoje assumir um rosto humano portador de dignidade.

No quadro constitucional actual a Républica Portuguesa é um Estado de direito democrático, baseada na soberania popular, soberania una e indivisível que reside directamente no povo. É pois reconhecido um direito geral de cidadania participativa. As vivências da vida pública são um direito e um dever de acção responsável por parte de todos os cidadãos, desta feita é obrigação e interesse colectivo uma efectiva e eficaz participação. Participar desde logo implica conhecer. Ser cidadão participativo necessita desde logo de um pressuposto de informação. A liberdade de escolha e opção em cidadania implica conhecimento claro e preciso dos processos de decisão. Defender teses de cidadania participativa, de defesa de direitos e garantias dos cidadãos é antes do mais permitir essa mesma participação. A questão é ética e anterior à expressão de um direito ou garantia. Reclamar Justiça e gestão equitativa dessa mesma é antes do mais dar a conhecer quais os pressupostos éticos à opção de gestão. A administração da Justiça é realizada pelos Tribunais. Os vários actores da Justiça têm o Tribunal como ponto de encontro de gestão da Justiça em nome do povo.

O caminho implica a definição de Prioridades à Justiça e de publicitação de tais valores a uma discussão cívica. A falência da informação é redutora da participação cívica. Não poderão, em meu entender, serem patrocinadas teses de defesa de cidadania sem que seja garantido e acautelado como ponto de partida uma efectiva, real e transparente informação. O acto de decisão implica conhecimento que só é possivel quando definidas e publicitadas as Prioridades à Justiça. Prioridades que não deverão ter mutação sensível aos ventos das vontades politicas, mas tão sómente das evidências das ciências jurídicas. Cada cidadão tem direito à sua autodeterminação, à livre escolha de forma a cumprir com o seu dever e direito de cidadania. Esta liberdade cuja existência contém em si responsabilidade só será possivel se devidamente informada e consentida. Contudo este sistema que se pretende alterar no respeito pelo Direito à Cidadania, à Dignidade Humana enferma desde logo de falta de informação. Pese actualmente o acesso à mesma seja fácil ela por vezes é inexistente.
A quem presta conta o sistema Judicial? Os relatórios limitam-se a ser fornecidos à Assembleia da Républica e ao Tribunal de Contas, o cidadão que se quer participante não tem acesso a tais informações como forma de participação efectiva e responsável. A tão falada regra da accountability ainda paira distante do sistema judicial. A regra é boa em si. A expressão anglo-saxónica de accountability tem duas vertentes: a public accountability na qual se defende a intervenção quer da sociedade quer do cidadão nas questões de administração de justiça designadamente no que se refere à discussão das prioridades a estabelecer; a democratic accountability no que concerne ao modo de prestar contas à sociedade por parte das instituições formais de administração, no caso de justiça. As instituições de gestão de um Estado que se quer democrático carecem forçosamente de um sistema de prestação de contas públicas. O cidadão que se quer interventivo e participativo carece de conhecer do todo dos princípios, prioridades e resultados da gestão da justiça como sistema. De pouco valerá reclamar uma Carta de Direitos e Garantias do Cidadão na Justiça se este não for efectivamente conhecedor dos princípios subjacentes ao processo de tomada de decisão como meio de responsabilização em cidadania. A promoção do direito à informação na esteira dos direitos humanos fundamentais será a alternativa de partida à construção de uma cidadania plural e democrática no propósito da coesão social.

1 comentários:

Luis Cirilo disse...

Mais uma vez...Muito Bem !