Burcas portuguesas

A meditação de hoje vai para a tão polémica questão da Lei da Paridade... tão desejada por uns e tão criticada por outros.
Parece-me que esta nova realidade legislativa contempla em si uma reflexão mais profunda e talvez mais transparente. Penso não se tratar de uma mera questão legal, de uma mera reforma legislativa em nome do Principio Constitucional da Igualdade.Paridade é uma palavra que vem do latim “Paritate” e que significa qualidade de par ou igual. Tal como a realidade universal mais não é do que complemento de desiguais numa união de forças no sentido do uno. E tal como o termo é referido, será igual. Mas igual ao que é igual na diferença do que é par, não num género nulo, ambíguo ou ambivalente, mas tão somente na ambivalência do que se complementa.
Quanto aos princípios recorde-se que foi a Revolução Francesa que devolveu ao povo os valores da “Dignidade”. Foi a revolta dos descamisados que fez renascer os conceitos de cidadania tão estudados e debatidos nas antigas Atenas e Roma. Estes perderam o seu sentido durante os longos períodos de monarquia ocidental, deixando igualmente de o ter em ditaduras ou sistemas de estado totalitários. São as trajectórias históricas das sociedades que ditam os tempos e os valores que sobre os mesmos se regem e como tal se criam as leis.
A lei é uma imposição social necessária à sua auto-regulação.
Desta feita, surgem Democracias que, quanto mais igualitárias, mais plurais, onde as diferenças são o mote da igualdade. É neste contexto social que renascem os valores tão debatidos na designada “era clássica” de cidadania. É sobre cidadania que muito se tem discutido na busca incessante de dar a cada um dos participantes na vida social, o seu papel. Cidadania que, pese embora seja um termo feminino, engloba em si a dualidade homem / mulher. Se nas antigas Grécia e Roma a discussão da cidadania se colocava tão somente em relação aos que gozavam dos direitos da Cidade (Polis), com a Revolução Francesa esta toma novos contornos. A revolução, era do povo sendo pois, claro e evidente, que cidadania não era pertença solitária dos direitos de alguns, mas sim de todos os Homens.O conceito, hoje, necessita de ser ajustado às novas realidades de Liberdade, Igualdade e Fraternidade.
O espírito dos Princípios tendo em conta os novos conceitos de Democracia, devem ser ajustados. Falar em Revolução Francesa apenas nos serve para trazer à colação a fonte. E, tal como esta hoje é reclamada, uma revolução de novos “descamisados”.
Uma revolução dos que sendo massa activa do viver social, têm sido par sem ser igual.Não se pretende uma reflexão no feminino, mas sim uma abordagem de prioridades, uma conscencialização que envolva uma análise alargada de factos preponderantes ao ajuste necessário, não no sentido da mera legislação que camufle o desigual, mas no sentido do ajuste do que é duo e igual!O que se tem vindo a discutir é a paridade entre o feminino e o masculino. É de referir de que o papel das mulheres ao longo da história não foi sempre o mesmo.
Dispenso-me aqui de invocar as trajectórias das revoluções feministas que culminaram com o direito de voto das mulheres, de forma generalizada, só após a segunda grande guerra. A consciência social de que as mulheres gozam de direitos de cidadania é recente.
Dai a sua necessidade de ajuste ao estatuto de cidadãs. Isto implica forçosamente a relutância de uns e a vontade de outros numa verdadeira integração do desigual biológico no conceito de igualdade Politica. Não há nos dias de hoje, em Democracia - que se diz plural e igualitária - lugar a menoridades, a paternalismos. O dual biológico mais do que impeditivo do uno é a razão primária do mesmo.
De forma racional e intelectual, a dicotomia colocada em termos de quotas de acesso ao “direito da cidade” não faz qualquer sentido. E não é em nome do art. 13º da Constituição da República Portuguesa (CRP) que a questão deve ser em meu entender analisada. A CRP, pilar da Democracia Nacional, dispõe no seu art.1º que “ Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária”. Assim sendo, a soberania Portuguesa tem por fundamento a dignidade da pessoa humana independentemente das suas características genéticas.A República Portuguesa, busto feminino, não impõe limites de carácter sexista, impõe sim, limites de respeito pela dignidade humana. É partindo daí que se devem abordar as vontades da Nação como fim de obter uma efectiva construção de uma sociedade livre, justa e solidária. Impõe-se pois, uma abordagem à vontade popular na qual de forma igualitária participam homens e mulheres.
O argumento de inicio pode parecer falido: haverá sempre quem de forma céptica dirá que as mulheres têm uma menor participação na vida da “Polis” que os homens.
Porém, além de não destruir o argumento, mais não é do que uma falácia. Analisados os dados estatísticos da Comissão para a Igualdade no Trabalho e Emprego constatamos: os homens têm uma taxa de actividade efectiva maior do que as mulheres. Em contrapartida, a taxa de desempregados é mais elevada em relação às mulheres do que em relação aos homens (cerca de 1.8 ponto percentual).
De notar porém que entre 1995 e 2004 a taxa de actividade feminina cresceu 1.6 percentual em relação à masculina. Paralelamente à actividade, comparem-se as remunerações / mês auferidas em funções iguais.
O fenómeno parece estranho, isto porque, feita a comparação constata-se que as mulheres auferem rendimentos / mês inferiores aos homens em cerca de 22.8%.
Do mesmo modo que se afigura estranho o facto de a taxa de mulheres com contratos precários seja maior do que a dos homens. Sublinhe-se também a superioridade masculina nos quadros técnicos superiores e de chefia, quando paralelamente existe um número mais elevado de licenciadas mulheres.
As actividades como a justiça, saúde, educação, alojamento e restauração estão na sua maioria a cargo das mulheres. A maior participação masculina é nas áreas da construção, das industrias extractivas, pesca, electricidade, gás e água, transportes, armazéns e comunicações.
A análise dos fenómenos produtivos, aliados aos já tão conhecidos resultados quanto à participação política, permite-nos uma avaliação da paridade para lá do Principio da Igualdade. Note-se que as actividades desenvolvidas ao nível do voluntariado social e ao nível dos agregados familiares não entram nas estatísticas de produção nacional pese embora que destas resultem fenómenos produtivos.
A questão a ponderar não será, então, a atribuição de quotas à participação das mulheres na vida politica dos partidos, mas sim a da efectiva participação das mulheres na vida da Nação. Este sim será o pressuposto de análise à paridade entre homem e mulher. Nessa dicotomia é que se deve balizar a discussão pública da igualdade entre a participação na cidadania.
É a análise das prioridades de politica social de igualdade que nos deve orientar as opções na discussão da igualdade de acesso aos “direitos da cidade”, direitos esses orientadores de participação equitativa, justa e igualitária.
O fundamento da violação do Principio da Igualdade coloca-se no desrespeito pela dignidade de cada cidadão de “per si” e nas suas valias únicas e diferentes.Impôr quotas de participação é impôr menoridade.
Ensina-nos o art. 1º da CRP que devem ser encetados esforços “...na construção de uma sociedade livre, justa e solidária”. Resta à “...vontade popular...”, em debate público, definir quais os valores a salvaguardar. A criação legislativa, mais do que uma mera panaceia, deverá ser a auto-regulação desejada de uma sociedade esclarecida dos seus direitos e responsabilidades.
A tão “desejada” participação só será efectiva e responsável quando, em consciência, forem criadas rapidamente condições de equidade e justiça no acesso à voz pública, objectivo esse que se deseja em nome de uma dualidade necessária no caminho da cidadania.
MM

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