Inicio da vida...estará tudo dito?

A ciência como expressão de pensar e experimentar humano tem nas últimas décadas encontrado soluções para uma longa e melhor vida do ser humano na terra. Avanços em nome da vida que permite hoje ao homem pensar na sua própria criação através de métodos não naturais. O ser humano separa a natureza.
A Reprodução Medicamente Assistida é um dos grandes passos da ciência em nome de uma vida que se não manifesta de forma natural. Este eclodir de vida gerada pela ciência e técnica médica tem indubitáveis valias, desde logo se ponderadas em confrontação directa com as cada vez mais baixas taxas de natalidade. Contudo questões axiológicas se colocam pela controversa que tais técnicas da ciência médica levantam. Desde logo a questão da inter relação dos avanços científicos e os princípios da Ética e ou do Direito. Questões cuja análise filosófica e de regulação jurídica, tal como sobejamente sabido, só ocorrem após a sua concretização prática por posteriores ao agir humano. Efectivamente ao Direito cabe pois o papel revalizador das práticas e condutas científicas e sociais como limite necessário ao “laissez-faire”.

São múltiplas as técnicas de Reprodução Medicamente Assistida(RMA):
-Inseminação artificial,
-Fecundação in vitro seguida de transferência do embrião para o útero da mãe
-Transferência dos zigotos in vitro para as trompas de Falópio
-Micro-injecção no ovócito de um espermatozóide ou do núcleo de uma célula percursora do gâmeta masculino.

Com a presente análise não nos debruçaremos senão sobre a criação de vida humana “inVitro”. Cujo processo consiste sumária e simplistamente na união de duas células vivas – masculina e feminina – dando tal união de gâmetas origem a uma nova célula viva autónoma e única.
É gerada uma nova vida, cuja realidade levanta em termos axiológicos várias questões. Desde logo a necessidade de definir o conceito de vida e de que tipo de vida.
Trata-se pois, de forma indubitável, de uma vida da espécie humana e não de outra qualquer espécie. Tal como refere o Prof. Daniel Serrão “a vida humana é um processo contínuo. A conjugação de uma célula viva, o espermatozóide com outra célula viva o ovo humano, é um organismo humano, com um programa de desenvolvimento, contínuo e permanente, que é uma capacidade intrínseca, auto-regulada, como é próprio dos organismos vivos”. Este organismo vivo alguns destinos lhe são reservados ou ser implantado num útero, mas cujo numero é limitado à capacidade natural do organismo materno integrado no processo de procriação ou ser conservado pelo frio, destino atribuído aos excedentários por algum tempo como garante de continuidade de processo reprodutivo futuro ou ser destruído por excedentário e não necessário para qualquer processo reprodutivo ou de eventual investigação.
Uma das questões em debate é o de saber se esse organismo vivo, esse organismo humano, o embrião gerado in vitro e não implantado é pessoa humana. Em boa verdade a lei Portuguesa nada tem disposto a este nível. A discussão tem sido constante sem que no entanto algo de conclusivo se tenha até à data resolvido. Os projectos legislativos têm vindo a ser esboçados, mas apenas se têm mantido no mero esboço.
A fim de nos ser possível enquadrar esta questão no âmbito do pensamento filosófico apresentamos as linhas de orientação mais correntes quanto ao Estatuto Ontológico do embrião:

1) O embrião deve ser respeitado como Pessoa desde a concepção. Concepção de forte cariz judaico cristão o qual visiona o ser humano como obra divina autónoma da existência materna “Vossos olhos contemplam-me ainda em embrião” (Livro dos Salmos), “Antes que fosses formado no ventre de tua mãe, Eu já te conhecia; antes que saísses do seio materno, Eu te consagrei” (Profeta Jeremias)
2) O embrião não é pessoa desde o momento da concepção. Segundo esta concepção o embrião é “uma parte do corpo da mãe”, “é um produto biológico dos pais”, é apenas “vida humana” e não “vida humanizada” pois não é capaz de estabelecer relações com os outros.
3) O embrião deve ser respeitado como pessoa humana potencial desde o momento da concepção. Defendendo que o embrião deve ser tratado desde a fertilização como “pessoa humana potencial” – Comité Consultatif National d`´Ethique. Desde o momento da fecundação existe um organismo vivo humano, da espécie humana, cujo desenvolvimento se potencializa desde logo.

A posição do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida “garantidas as necessárias condições, e se vencidos os escolhos que se põem à sua implantação e crescimento intra-uterino, o embrião não pode deixar de dar origem a um representante da espécie humana, e nunca desembocará num indivíduo de qualquer outra espécie”, “ a vida humana merece respeito, qualquer que seja o seu estádio ou fase, devido à sua dignidade essencial”, sendo pois a posição que vem balizando e orientando às práticas cientificas sem que no entanto nela convirjam todas as opiniões e defesas quer cientificas quer éticas. Neste sentido escreve o Prof. Daniel Serrão sobre pessoa humana “...constituição substantiva da pessoa, na sua forma mais primária, é a informação depositada no genoma do zigoto ou embrião, informação que por si só, leva à constituição de um corpo humano e de uma inteligência humana, possibilitando então a revelação da pessoa nos tais aspectos psicológicos, éticos, axiológicos ou relacionais(...) Em síntese direi: o embrião Humano é uma pessoa porque é a primeira manifestação física de um corpo que é um corpo humano, irrecusavelmente humano no plano cientifico; direi irremediavelmente humano, obrigatoriamente humano. E não pode ser mais nada”. A lei positiva nada refere sobre o conceito de pessoa humana ou de vida humana. São múltiplos os dispositivos legais que se referem à vida - art. 24º n.º1 da CRP “ ... A Vida humana é inviolável...”.
Qual o sentido a atribuir à expressão “vida Humana”? Em que medida essa “vida” é “inviolável”?
O art. 26º n.º 3 da CRP determina “ A lei garantirá a dignidade pessoal e a dignidade genética do ser humano, nomeadamente na criação, desenvolvimento e utilização das novas tecnologias e na experimentação científica” bem como o art. 2º da Convenção do Conselho da Europa sobre os Direitos Humanos e a Biomedicina cuja base de suporte é o Primado do ser Humano determina que com base nesse pressuposto deverá atender-se sempre ao “ ...interesse e o bem-estar do ser humano...” como prevalência “... sobre o interesse único da sociedade ou da ciência.”.
A questão é antes do mais atribuir e definir qual o conceito de Pessoa Humana. Segundo Kant é um ser em devir e por tal portador de dignidade humana. Contudo a lei positiva Portuguesa nada tem sobre tal legislado.
Se por um lado à a garantia Constitucional do respeito pelo valor Vida, por outro a lei civil apenas nos refere que o sujeito é portador de personalidade jurídica após o nascimento com vida com excepção dos nascituros no caso de sucessões. Realidade jurídica que se preocupa basicamente com o ser na sua manifestação patrimonial e não como realidade “de per si” carente de garantia e protecção jurídica.
O embrião humano criado de forma artificial se não implantado em útero vê a sua realidade jurídica inexistente. O risco da inexistência legislativa é gerador de permissividade a uma disposição desta vida humana ao interesse de quem a quiser utilizar. Que fazer com os excedentários? Congelá-los? Até quando? Destruí - los ? Comercializa-los? Sendo matéria orgânica serão susceptíveis de tratamento como coisa. Não tendo capacidade de se auto-defenderem serão alvo fácil à desprotecção constitucional da vida. Não se definindo qual a sua realidade ôntica não se lhes atribui dignidade de pessoa humana. Esta realidade não prevista pelo direito positivo encontra-se pois à margem na lei e tal como é sabido o que não é proibido é permitido.
A discussão pública é necessária e a definição jurídica prioritária. A orientação não deverá ser a de tomada de posição contra a ciência e a sua valia no sentido da defesa da vida , mas sim a favor da defesa de Vida una e indisponível existente no embrião humano.
Efectivamente o que se poderá no dia de hoje referir sem grande margem de erro é que quanto ao inicio da vida ainda não está tudo dito e nada regulado.

MM

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