Saúde uma questão de responsabilidade individual

O direito à saúde é um direito constitucional de todos os cidadãos, sendo elemento estruturante da Républica Portuguesa como Estado de direito democrático.

Determina o art. 64º n.º 1 da Constituição da Républica Portuguesa “ Todos têm direito à protecção da saúde e o dever de a defender e promover.”; não me debruçarei sobre a forma de realização do direito à proteção da saúde, mas tão somente à sua defesa e promoção pelo todo social.

A saúde é um bem que se quer como prioritário e um valor essencial da colectividade. Trata-se pois de um direito básico à promoção da dignidade da pessoa humana como corolário da Répública Portuguesa art.1º “ Portugal é uma Républica soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária”.

Quando se pensa saúde e se apela à sua defesa tem sido corrente a manifestação de argumentos à promoção apenas como um direito individual reduzindo-o um direito de consumo pessoal, sendo quase sempre esquecido o facto de ser este bem (saúde) antes do mais um bem de investimento colectivo. A visão consumista da saúde minimiza-a como direito e desresponsabiliza o todo social que tal como refere o texto constitucional paralelamente a um direito [“Todos têm direito à proteção da saúde...”] impõe um dever à saúde [“ Todos têm...o dever de a defender e promover”]. A saúde deve pois ser encarada como um bem de investimento do todo colectivo, uma população saudável é uma população mais produtiva e eficiente.

A plataforma de abordagem é ética mais do que politica ou legal.

O texto legal inicia-se com o pressuposto de que todos têm direito à protecção da saúde cujo acesso se pretende equitativo, condenando desta forma toda e qualquer prática de descriminação. O princípio é o de que todas as pessoas são portadoras de igual dignidade, sejam quais forem as suas características sociais, económicas, religiosas, étnicas ou pessoais. Não devendo ser descriminadas as pessoas portadoras de doenças infectocontagiosas, as que provocam em si próprias doença, seja de forma voluntária, como o suicídio, seja pelas opções quanto ao estilo de vida, como o alcoólismo, dependencia de drogas, prática de desportos de risco, entre outras. Salvaguarde-se porém que o acesso de todos não significa igualitarismo total e radical, pensemos tão somente nas diferenças de patologias que carecem de diferentes tipos de cuidados de saúde, ou daqueles outros casos que nunca recorrem aos cuidados de saúde. Contudo tal não deixa de significar uma universalidade na sua cobertura. No entanto a saúde é um bem social que concorre paredes meias com a educação, o ambiente, a segurança social, entre outros. Bens que como a saúde deverão ser de cobertura universal por indispensáveis, mas que pese a defesa de que não têm preço têm no entanto um custo a ponderar. Custos esses que tendo na base pilares de coesão social implicam uma contribuição efectiva de todos os cidadães num respeito permanente ao princípio da solidariedade social. Sendo pois necessário que o todo colectivo faça opções participando activamente na satisfação desses mesmos bens, sem porém nos afastarmos do conceito de que o todo colectivo é a súmula do eu individual.

Contudo quando confrontados com dados estatísticos apercebemo-nos que os consumos em saúde são mais ou menos 3% do produto interno bruto, cujo desperdício é de longe o mais elevado da Europa. Se pensarmos no exemplo singelo das prescrições médicas somos confrontados com o facto de um terço dos utentes não as cumprir e um terço cumprir indevidamente, levado-nos a questionar o valor da responsabilização individual e colectiva na defesa do tão almejado direito à saúde para todos.

A saúde tem um custo que será tanto maior quanto menores forem os recursos, que como é sabido são cada vez mais escassos. A procura será sempre maior do que a oferta e o seu principal financiamento continua a ser assegurado por todos os cidadãos contribuintes. Este desiquilíbrio tende a ser cada vez maior e de dificil ajuste atentos ao envelhecimento da população, à quebra das taxas de natalidade e à evolução da ciência e da técnologia. A saúde será mais cara e os financiadores da mesma serão cada vez menos pondo em causa a sustentabilidade do sistema de financiamento actual. É primordial que o todo social e cada um individualmente reestruture e repense o dispositivo legal na sua componente de dever [“... e o dever de a defender e a promove.”]. O consumismo exagerado de cada um no pressuposto de um direito gera o risco da inexistência do bem. Trata-se aqui de uma questão de responsabilidade social e individual de cada cidadão frente ao direito à saúde. Este é um direito para o qual é imperativo uma defesa e promoção colectiva. É o cidadão anónimo que através do recurso a hábitos alimentares mais saudáveis, ao exercício fisico, ao hábito regular de consulta médica de rotina e prevenção, ao respeito pela prescrição médica, à fuga à auto-medicação, entre outros, que cumpre o dever de promoção e defesa do seu direito à saúde. Não se trata de um dever legal coercivo, mas sim de um dever ético e moral no sentido de contribuir para uma eficiente justiça na saúde.

A saúde não é só cuidados médicos, ela é também o interagir dum todo social que se quer democrático e plural.

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